segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O fato de amar: Quem ama tem o direito de matar?

A morte como conseqüência da dominação

Por Sirlanda Selau e Cláudia Prates
Militantes da Marcha Mundial das Mulheres - RS
Revisão de texto: Michele Selau


Matar ou morrer por amor pode ser uma reflexão de um extremo romântico, metáforas para traduzir os extremos de um sentimento, ou ainda, recentemente, fazer refletir sobre a nova onda midiática, que se fez a partir do lamentável Caso Eloá.
A mídia de uma forma em geral, e a rede Globo, em especial, fizeram deste episódio, mais um famigerado e deprimente alvo de cobertura jornalística. Um palco, que se estendeu por longos dias, remontando os antigos suplícios que atraiam todos os olhares, nas bárbaras cenas de horror que serviam de punição em determinado período histórico.

E mais uma vez, a mídia, como (im)posto 4º poder, busca determinar as explicações e desdobramentos: sociológicos, psicológicos, antropológicos, jurídicos, do fato. Uma mídia que se pretende colocar novamente como uma pré – justiça, formando a opinião popular a partir dos interesses que lhe sustenta.

A construção midiática, espichada por cerca de 100 horas, é a triste condição de um jovem desequilibrado emocionalmente, e de uma jovem, que não o amava, e que pagou com a vida, pelos desequilíbrios do ex – namorado e pela ação de uma polícia apresentada como inapta e negligente.

E erra novamente a mídia.

O fato não é este. O fato é uma manifestação latente do machismo que impera na organização social. Onde um homem, submete a cárcere privado, por longas horas, uma jovem mulher, menor de idade, que não desejava mais manter vínculos amorosos com ele. Este é o fato!
Fato é que a ação da polícia, da mídia e do agente autor deste fato, olhado isoladamente, posicionam a lógica de dominação e submissão do que construíram como sexo frágil. E isto fica simples de identificar, como tentativa de ser uma opinião nacional e uníssona para uma sociedade que é essencialmente patriarcal, que tem como construção social à desigualdade entre homens e mulheres.
Esta lógica naturaliza a violência e afirma que o amor é também sinônimo de propriedade. Logo é natural construir, que Lindmberg, estava defendendo “o que é seu” justificado por um amor não correspondido. Uma propriedade que deixava de ser sua, o bem que negociou com a polícia, ao olhar da sociedade brasileira.
Aí surgem, as intermináveis projeções de como a polícia deveria ter agido, e não agiu. E até as fórmulas da SWAT, poderiam ter salvado Eloá! Em diversas linhas discursivas, ressurgem as criticas, de como a polícia brasileira é despreparada, de que o estado brasileiro é inerte em relação à violência.
Certo é que a ação da Polícia e um conjunto de elementos deste episódio, estão por se elucidar começando pelo contexto e os interesses pelos quais se desenvolveu o crime. Mas, não podemos afastar de seus elementos objetivos e decorrentes, que versam sobre uma análise, de como se chega a tal situação e como busca se explicá-la. Estamos tratando de violência sexista, em um caso isolado, mas que evidencia uma realidade, para a qual a sociedade brasileira não pode fechar os olhos.
A morte de Eloá é um exponencial construído pela mídia pirotécnica brasileira, como um evento de manifestação inflamada de amor culminado em um crime passional. Mas pode ser também, uma manifestação brutal da sintonia de um machismo: que priva da liberdade e depois da vida em razão de um amor – patrimônio; que por outro lado, negligencia sobre a função de promover segurança a vida; e se complementa pelo bombardeio de uma suposta informação, que não pretende nada além, de criar uma opinião que bem convém a esta estrutura de submissão.
Fato é que no Brasil e no mundo, as Eloás morrem, e mantemo-nos aceitando as explicações de amor que violenta, que machuca, que mata, que é natural, como são as diferenças entre os sexos.
Este é o fato que se deve encarar, a violência como a face mais cruel desta desigualdade, que deve ser combatida e não naturalizada.
Fato é que a mídia brasileira perde mais uma vez a oportunidade de cumprir o seu papel.
Fato é que esta reflexão deve indicar uma ação de não aceitação a todas as formas de violência, para que se construa no Brasil, uma nação soberana, livre de desigualdades em todas as suas formas.

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