quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Dilma e o Aborto


Dilma e o aborto

Por Luciana Ballestrin*

Nas sociedades democráticas e plurais com Estado de Direito laico, a luta pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez é uma das maiores reivindicações e/ou conquistas do movimento de mulheres. É um tema que diz respeito à emancipação e libertação feminina, porque toca no direito individual de escolha de cada mulher. Em sociedades com desigualdades sociais e econômicas, o aborto também é um problema de saúde pública: as mulheres que possuem mais recursos financeiros recorrem às clínicas clandestinas particulares. Caríssimas, os seus métodos não provocam dor. As mulheres pobres por seu turno têm de contar com intervenções baratas, arriscadas e doloridas. O popular chá do aborto provoca contrações de dor delirante. É pela consciência de todas essas questões que em vários países desenvolvidos, existe a descriminalização do aborto voluntário. Mesmo Portugal, um país com forte tradição católica e conservadora, avançou no tema aprovado por Referendo Popular em 2007. A questão do aborto, portanto, é uma questão de Justiça, de saúde e de direito da mulher.
A grande inimiga dessa luta tem um nome: religião. Por ser fundada em crença, está afastada das leis, da ciência e da verdade. Obviamente, a fé é algo completamente legítimo, porém não necessariamente justa. Daí é que entra a questão da moral e da ética. Para algumas crenças, interromper uma vida celular de poucos dias é sinônimo de matar uma criança. A ciência prova que não o é. Mas, de que vale a ciência para as pessoas que reproduzem esse raciocínio? Se as mulheres dependessem da religião para figurar suas lutas, a pílula ainda seria proibida.
Nestas eleições, uma forte onda conspiratória atravessada pelos setores mais conservadores e reacionários da sociedade brasileira foi responsável para a ida ao segundo turno. A estratégia de espalhar medo é bastante eficiente pela direita no Brasil: em 1989, Lula desapropriaria apartamentos e fecharia todas as igrejas; em 2005, o desarmamento era um prenúncio de golpe; em 2010, assiste-se a uma demonização inédita de uma mulher. Inédita porque pela primeira vez temos a possibilidade de eleger uma para Presidente do Brasil. Dilma Rousseff está completamente atrapalhada porque sem dúvida não esperava que a campanha contra a sua pessoa fosse tão cruel e caluniosa. Quando se diz que a candidata foi guerrilheira, o que está querendo se dizer? Que ela dará um golpe contra si mesma quando tomar o poder? Que ela fará a revolução? Da mesma forma, os boatos sobre sua posição favorável ao aborto tem qual significado? Que ela no dia primeiro de janeiro baixará um decreto-presidencial liberando a prática?
Dilma está sendo publicamente perseguida inclusive por ser mulher. Uma mulher guerreira, torturada quase até à morte, vencedora de uma luta recente contra o câncer. A onda verde infelizmente não existe. Se Dilma perder pelas campanhas paralelas do medo e do boato, a democracia e o Estado laico estarão em risco no Brasil. É extremamente preocupante se o machismo, o obscurantismo e o moralismo forem os vitoriosos destas eleições.

* Professora de Ciência Política da UFRGS

3 comentários:

  1. Sim...É uma pena uma profissional tão competente quanto a Dilma, estar sendo pressionada por debates tão pontuais, de sim ou não... Como se só existissem dois caminhos - o da vida e o da morte, na questão do aborto...É muito mais do que questão de deixar viver ou deixar morrer, é pensar uma política abrangente, que possa entender que a decisão é da mulher, e não pela vida ou pela morte...Mas por querer ser responsável por uma gestação em um momento ou em outro, de gerar uma criança com aquele pai ou com outro...São múltiplas dualidades e elas não estão sendo discutidas...É só: Deixar viver ou deixar morrer ?

    Que isso não atrapalhe os rumos de quem quer discutir políticas públicas de verdade para as mulheres...Homens que fazem política e que querem como sempre ter controle sobre o corpo feminino são muitos na bancada cristã, empatando as decisões e fazendo o país retroceder em muitas questões...

    Estado Laico? Em qual planeta?

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  2. Se fôssemos atrás da religião, nós, mulheres, ainda estaríamos procurando nossa alma, discussão com que a Igreja se divertiu durante tanto tempo.
    Descobri, após o final do primeiro turno das eleições, que "sustentabilidade" significa sustentar o Serra no segundo turno.
    Eliane F.C.Lima (http://liteaturaemvida2.blogspot.com)

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  3. Com esta eleição no 2º turno, também descobri que regredimos muito nas conquistas da mulher e nos quesitos gerais, estamos levando a política como se fazia na idade média...Misturando tudo e evoluindo pouco...

    " Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos...Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais..."

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