sexta-feira, 28 de setembro de 2012

28S: pelo direito ao aborto, em todo o mundo

*Por: Tica Moreno
O dia latino-americano e caribenho de luta pela legalização do aborto virou um dia de ação no mundo todo. Não foi porque o movimento de mulheres de todo o mundo lançou uma forte campanha de solidariedade com a luta pelo direito ao aborto nos países que ainda criminalizam as mulheres, e sim porque o bicho tá pegando inclusive onde as mulheres já conquistaram esse direito.
A criminalização das mulheres é uma realidade em muitos países que ainda não permitem que suas cidadãs possam decidir sobre a maternidade. De acordo com este mapa, de 2011, o aborto é totalmente proibido, ou permitido apenas em caso de estupro e risco de vida da mulher (como no Brasil), em 69 países do mundo. Nos outros países, o aborto é permitido, embora haja algumas diferenças de acordo com cada legislação.
Mas, nestes países em que o aborto é permitido em lei, a vida das mulheres também está cada vez mais dura, porque tem forças conservadoras querendo tirar esse direito das mulheres.

Neste dia 28, em várias partes do Estado Espanhol, por exemplo, manifestações feministas estão sendo feitas para que o aborto se mantenha fora do código penal. As feministas de lá estão em um movimento simultâneo para resistir à recomposição do poder econômico que se dá com políticas de ajuste que aumentam o desemprego e diminuem a presença do Estado na sua função de garantidor de direitos, ao mesmo tempo em que há uma ofensiva sobre os direitos das mulheres – com o ministro da Justiça (Alberto Gallardón), soltando declarações que concretizam a orientação de seu partido, o direitoso PP, de restringir o direito ao aborto na Espanha.
Ou seja: ao mesmo tempo que as tais políticas “anti-crise” ampliam as demandas de trabalho doméstico e de cuidados (não remunerado) sobre as costas das mulheres, as forças ideológicas reforçam, uma vez mais, a função das mulheres como mães, num modelo de família que desde a guerra civil espanhola já tinha feminista anticapitalista criticando.
Mas aí, os nossos vizinhos, uruguaios, aprovam um projeto que suspende a criminalização do aborto se este for feito seguindo alguns procedimentos estabelecidos na lei.
Massa. Já ficamos empolgadas porque, em algum lugar, tátendo algum avanço, né?
Só que daí nós vamos atrás das notícias e vemos que esse projeto não é exatamente o que se espera de uma boa lei relativa ao direito ao aborto. O principal motivo é que o aborto deixar de ser crime apenas se a mulher que o fizer passar por um processo ultramegaburocrático que, além de ser burocrático no sentido estrito do termo, depende também da inclinação ideológica dos profissionais da saúde que atenderem esta mulher. Isso porque, de acordo com o atual projeto, a mulher que decidir interromper uma gravidez indesejada terá que comparecer ao tribunal médico e explicar por que quer fazer isso.
Para nós, a razão pode ser expressa, simplesmente, em um “porque eu quero”, “porque eu decidi”, porque sim”. Mas, nesse tribunal médico, parece que vai valer a máxima que aprendemos no Castalo Rá Tim Bum: “porque sim não é resposta”. Isso porque a cidadã uruguaia tem que convencer uma equipe com 3 integrantes (sendo que pelo menos 1 é contrário ao aborto) de por que quer realizar o aborto.
#Cejura? Juro.
Daí a moça tem alguns dias para pensar no assunto e voltar pra ver se mantem sua decisão.
Ou seja, de acordo com essa lei uruguaia, você até pode fazer um aborto. Você não será uma criminosa. Mas, nós vamos dificultar a sua vida, porque nós discordamos da sua decisão. Ou melhor, nós (Estado e poder médico) achamos que você não tem condições de decidir sobre sua vida, então seguimos a lógica do vestibular. Primeira e segunda fase.
Se você for persistente, tudo bem. Consegue fazer, tranquilamente, um aborto.
***
Na boa, além da hipocrisia que gera hemorragia, ou do fato de que todo mundo conhece uma mulher que fez aborto porque decidiu interromper uma gravidez indesejada, o que deveria nos deixar beeeem irracional é o fato de que toda a ofensiva de crimininalização do aborto aqui no Brasil ou em países vizinhos, bem como os retrocessos em países que já legalizaram o aborto, como na Espanha, é baseada numa visão misógina e machista das mulheres como seres moralmente incapazes de tomar uma decisão consciente sobre um processo central em suas vidas.
Tem gente que diz que decidir pelo aborto é sinal de irresponsabilidade das mulheres. Nós achamos justamente o contrário. Decidir de forma autônoma sobre a maternidade é um sinal de responsabilidade das mulheres. É muito mais do que o “Eu aceito”, do casamento, porque existe divórcio. Ou é muito mais do que a carreira que você escolhe no vestibular, porque você pode se formar em educação física e se realizar trabalhando em um restaurante. Mas ser mãe é diferente. Ser mãe tem que ser uma decisão consciente, porque vai fazer parte da sua vida até o final dela. E tem mulher que já é mãe e não quer outro filho.
O direito ao aborto é parte do reconhecimento das mulheres como sujeitos das suas próprias vidas. Tem a ver com romper o controle imposto sobre o corpo e a vida das mulheres, e significa também separar sexualidade de reprodução. Nós defendemos, hoje e todos os dias, o direito ao aborto, por defender a vida das mulheres, mas não só uma vida baseada no ciclo vital que aprendemos na aula de biologia: nasce – cresce – reproduz – morre.
Estamos em luta pelo direito ao aborto como um direito das mulheres nesse mundo capitalista, mas nossa luta em defesa de uma vida que vale a pena viver passa por transformar esse mundo, pra gente ter direito a uma vida livre de verdade, com tempo livre, sem violência, com igualdade e com prazer.

*Tica Moreno é militante da Marcha Mundial das Mulheres em São Paulo.

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