quarta-feira, 22 de maio de 2013

Feminismo 2.0: Até que sejamos livres - nas ruas e nas redes


Gurias!
Aproveitando a vinda da Bruna Provazi para participar nos Conexões Globais, em Porto Alegre, vamos promover o bate-papo Feminismo 2.0: Até que sejamos livres - nas ruas e nas redes - 
Nosso bate-papo é aberto a todas que quiserem participar, independente de ser da MMM ou não!!
Quando: 24 de maio
Onde: Casa dos Bancários (Rua General Câmara, 424-Porto Alegre)
Horário: 19hs

Para quem não conhece, Bruna é da MMM-SP, organizadora do festival cultural Mulheres no Volante. Além disso, é jornalista formada e está finalizando o mestrado em Ciências Humanas e Sociais (UFABC) com a pesquisa “Estratégias de visibilidade e articulação no ciberespaço: uma análise do ativismo feminista brasileiro no Facebook”.

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terça-feira, 7 de maio de 2013

Nota da CMS sobre acordo assinado pelo governo do RS e Elbit Systems, empresas militares israelenses.

Coordenação dos Movimentos Sociais do Brasil pede a suspensão do acordo com a Elbit Systems assinados pelo governo do Rio Grande do Sul e exige um embargo militar imediato a Israel

Estamos chocados ao ver que o Rio Grande do Sul, que foi apenas há alguns meses a sede do Fórum Social Mundial Palestina Livre, tenha na segunda-feira 29 de abril assinado um acordo para um grande pólo tecnológico baseado nas empresas militares israelenses Elbit Systems e sua subsidiária AEL, já instalada em Porto Alegre. O pólo militar essencialmente israelense vai envolver nossas universidades, institutos de pesquisa governamentais e empresas, ligando todos os elos em cumplicidade com a empresa israelense responsável por crimes de guerra.

Elbit Systems é um símbolo para a ocupação e apartheid israelense, que vive de e abastece a guerra e sistemas de repressão e controle na Palestina e em todo o mundo. Ela produz os drones usados nos ataques contra Gaza e no Líbano e fornece equipamentos para os tanques Merkava israelenses. O Muro do Apartheid de Israel, que isola as comunidades palestinas em guetos murados, tem proporcionado uma enorme fonte de rendas para Elbit e alguns dos assentamentos israelenses ilegais são "segurados" pela tecnologia Elbit. Por isto, tem um apelo ao boicote de Elbit na Asamblea da ONU. Elbit exporta sua tecnologia da repressão, da exclusão e do racismo em todo o mundo, como por exemplo nos EUA, onde está construindo o Muro da Morte ao longo da fronteira para o México.

Apoiamos o chamado palestino por um embargo militar imediato e denunciamos os crescentes laços militares entre Brasil e Israel, acordo após acordo, a nível regional e federal. O Brasil já se tornou o quinto mais importante importador de armas e tecnologia militar israelenses; quase o dobro da quantidade das exportações israelenses para os EUA. A relação privilegiada do Brasil com o complexo militar-industrial de Israel permite a sustentabilidade econômica para a indústria de guerra de Israel, que vive para até 80% sobre das exportações e de investimentos externos.

Este projeto de Rio Grande do Sul leva as relações militares com Israel a um nível completamente novo: se não for parado, irá mover o complexo militar israelense no centro do desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul e da pesquisa e indústria de defesa brasileira. O acordo permite a Elbit de explorar nossos trabalhadores e estudantes e o crescente mercado de armas na América do Sul e contribui ainda mais para a desnacionalização da indústria brasileira e para a dependência de interesses políticos israelenses. 

Portanto, apelamos para a interrupção imediata de quaisquer negociações ou ações que implementam este Memorando de Entendimento assinado por Rio Grande do Sul.

Defendemos a soberania dos povos e acreditamos que o único desenvolvimento econômico sustentável é aquele que respeita os direitos humanos e justiça social e política. Para atingir este exigimos o fim imediato das relações militares com Israel.



Coordenação dos Movimentos Sociais


sexta-feira, 3 de maio de 2013

A resistência da nudez ou a nudez da resistência




Vanessa Gil*

O corpo é, sempre foi e sempre será um espaço de luta e de resistência. Não é por outro motivo que tanto esforço é despendido na tentativa de cdomesticá-lo. Não é por outra razão que as instituições religiosas o utilizam para dominar a mente dos fiéis. É lá que o demônio se instala. 

Diante dessa realidade, é natural que ele, o corpo, seja usado para denunciar a opressão da qual é vítima. É por isso que em 68 tantas mulheres queimaram os sutiã, pois era o símbolo de uma opressão que habitava exatamente uma parte do corpo, os seios. Desnudar-se também pode ser uma forma de luta quando nosso corpo é reprimido. 

Mas as estratégias de luta e resistência, assim como as opressões, são históricas, sociais e políticas. Fazem sentido dentro de um contexto. Aquilo que é estratégia de resistência num determinado local, pode em outro servir aos propósitos do opressor. Pode ser uma ofensa aos nossos opressores, mas também pode ser uma forma de servir ao sistema e de ofender aquelas/es que lutam ao nosso lado. 

Portanto, não podemos exigir que muçulmanas saiam nuas pelas ruas para protestar contra os abusos do líderes religiosos sem sermos tão opressoras quanto eles. Não é nosso papel no ocidente dizer o que as muçulmanas, ou qualquer outro grupo de mulheres, deve ou não fazer para derrotar o patriarcado. Pode-se ser livre vestida, como ser oprimida nua.

Onde quero chegar com tudo isso: quero que olhemos para nossa própria cultura, para as formas que o patriarcado assume nela para que possamos identificar o que, dentro da nossa realidade, é resistência, o que é uma estratégia coerente com as nossas opressões. Dessa forma, precisamos refletir sobre nossas estratégias locais. No Brasil, a nudez feminina é a regra, os padrões de beleza são inatingíveis, os distúrbios alimentares possuem índices altíssimos. Basta ligar a televisão em qualquer canal nacional que podemos ver qualquer parte do corpo das mulheres expostos como se fossem pedaços de carne no açougue. Faz sentido ficar nua para protestar num país assim? Que tipo de reflexão traz à população enxergar mais um peito na televisão?

Além disso, qual o sentido de buscar nas experiências europeias o modelo a ser seguido? O que tem acontecido na América Latina? Como as venezuelanas têm se organizado? Quais as estratégias adotadas pelas colombianas que convivem com o narcotráfico? Como as argentinas estão enfrentando o patriarcado? Como nós e essas mulheres que vivemos em democracias tão jovens, que sabemos as dificuldades impostas pelas ditaduras militares, podemos, juntas, construir estratégias e fortalecer resistências? 

Dessa forma, creio que seja necessário um duplo esforço. Primeiro: respeitar as estratégias locais, compreendê-las dentro do momento histórico no qual ocorrem. Segundo: buscar fortalecer nossas lutas dentro na nossa realidade, identificando onde estão nossos inimigos, e sabendo com quem podemos contar na trincheira. E talvez um terceiro ponto, mas extremamente unido aos dois, que é refletir melhor sobre o significado que alguns termos assumem na nossa realidade. 
 * Socióloga, Militante da Marcha Mundial das Mulheres

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Invisibilidade lésbica e nossas estratégias de resistência


Na calada da noite desta terça-feira (30), véspera do feriado de 1º de maio, o pastor deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que atende também pelo cargo de presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, colocou na pauta da próxima reunião do colegiado o projeto conhecido como “a cura gay”. A proposta pretende suspender as normas do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que proíbem profissionais da área de sugerir tratamento para curar homossexuais. Além disso, ele propõe que seja penalizada a discriminação contra heterossexuais. Em contraposição, um grupo de deputados criou a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos (FPDDH). Enquanto isso, uma onda de protestos pela retirada do pastor da Comissão toma as ruas de Brasília e de todo o país.
O post de hoje é coletivo: um sopro de realidade e de força, sobretudo pra estes tempos tão sombrios.
Ato do 8 de março de 2013 em São Paulo. Foto: FdE)
Ato do 8 de março de 2013 em São Paulo. Foto: FdE)
Invisibilidade lésbica e nossas estratégias de resistência
Por: Jessica Ipólito, Célia Alldridge e Camila Furchi
Este texto é o resultado de uma segunda roda de conversa sobre a lesbianidade e feminismo, realizada no dia 13 de abril, em São Paulo. O ponto de partida para nosso debate foi o documentário “Invisibilidade Lésbica”, produzido por Thais Faria1, militante da Marcha Mundial das Mulheres.
O documentário suscita reflexões bastante interessantes sobre a invisibilidade lésbica através do depoimento da protagonista Caroline, que, ao contar suas experiências e compartilhar algumas reflexões sobre a vivência de sua sexualidade desde a infância até a faculdade, nos motiva a compartilhar as nossas próprias “versões” dessas histórias. Histórias marcadas por medos, dúvidas e violências, mas também por superação, solidariedade e pela luta por autonomia.
A imposição do modelo heteronormativo e patriarcal tem vários efeitos sobre as nossas vidas, sendo determinante, por exemplo, na construção de estratégias de sobrevivência e inserção na sociedade que implicam na nossa auto-invisibilização (na escola, faculdade, mercado do trabalho, etc.). Em tempos em que setores conservadores tiram do baú temas considerados superados como a “cura gay”, manter-se “no armário” para muitas mulheres acaba sendo, temporariamente ou permanentemente, uma forma de auto-preservação.
MMM na Caminhada de Lésbicas e Bissexuais de São Paulo. Foto: Elaine Campos.
MMM na Caminhada de Lésbicas e Bissexuais de São Paulo. Foto: Elaine Campos.
Começando no seio da família, quantas de nós, assim como Caroline, tivemos que sustentar a “mentirinha” que nossas namoradas/ficantes são meras amigas frente aos nossos pais, para evitar maiores problemas e manter o “status quo”? Quantas vezes tivemos que aguentar em silêncio insinuações maliciosas de parentes sobre a nossa vida pessoal ou piadas sobre casamento e filhos por receio de “desequilibrar” uma ordem familiar baseada na pressuposição de que por sermos mulheres nos relacionamos sexualmente apenas com homens? Muito mais do que medo de desequilibrar esse modelo heteronormativo, quantas de nós não nos escondemos por receio das sanções físicas e morais que esse modelo implica?
 Infelizmente, a nossa casa é o primeiro, mas não o único dos lugares estruturados para a manutenção da sociedade heteronormativa e patriarcal. Espaços de sociabilização como a escola também foram construídos para manter essa ordem e, de certo, modo punir aquelas/es que ousam questionar sua procedência. Como conta Anna Claudia, psicóloga, entrevistada no documentário:
  Gays e lésbicas estão nas escolas, sempre estiveram, [incluindo os próprios] professores e professoras, mas são invisibilizados, e são obrigados a se invisibilizar pela lógica que está na escola.
Essa lógica, que pressupõe valorização das relações heterossexuais em detrimento das “outras”, aparece também em mais espaços da nossa vida. A dificuldade em acessar serviços de saúde com profissionais capacitados/as para receber lésbicas e bissexuais – no sistema público e sistema privado – é uma das nossas experiências mais comuns. E é no/a ginecologista que sentimos mais forte o medo de falar da nossa sexualidade, pois há uma forte associação dessa especialidade médica com a reprodução. A hegemonização do sexo heterossexual como o único possível, o único legítimo, tem efeitos preocupantes na vida das mulheres lésbicas e bissexuais, como nos diz Caroline:
Ginecologista, no meio onde eu nasci, onde eu cresci, eu acho que é só quando a mulher for ter o filho, quando tiver grávida que eles acham necessário você ir num ginecologista [..] eu deixei mais de lado [ir no ginecologista] porque realmente sempre foi colocado o lado reprodutivo e eu, enquanto lésbica, não tinha que preocupar tanto com o lado reprodutivo, né? 
É como se a gente não precisasse de serviços de saúde sexual pelo fato que não fazemos sexo por fins de procriação, embora muitas lésbicas tiveram ou têm relações heterossexuais, e muitas também são mães. É como se a gente não pudesse pegar DST’s (doenças sexualmente transmissíveis), ou que estivéssemos imunes ao vírus HIV; um mito que permanece entre muitas de nós.
 Vivenciamos cerceamentos e proibições que se expressam através de ameaças. Assim como Caroline, nós não temos direito à expressão do nosso afeto em espaços públicos, sendo que, por exemplo, somos explícita ou implicitamente proibidas de segurar na mão de nossas companheiras. Na rua, nossa forma de vestir é alvo de olhares e repreensão constantes: quando não é motivo de zombaria, é fetichizado-erotizado. Nossa liberdade de ir e vir sem sofrer lesbofobia depende da nossa invisibilidade, de nos manter dentro dos padrões pré-estabelecidos pelo patriarcado:
 Onde eu sinto uma homofobia muito grande, é que eu não posso simplesmente sair na rua de mão dada, tenho que me podar a todo momento, onde que eu tô manifestando meu afeto pela outra pessoa, porque posso ser agredida por causa disso. E além da agressão física tem a própria agressão verbal que já é muito complicada… (Caroline).
Como vimos, através da violência lesbofóbica e da imposição da invisibilidade, o sistema heternormativo e patriarcal controla nossos corpos e sexualidade, definindo o papel “natural” e o comportamento “adequado” para nós mulheres. Porém, não somos vítimas desse sistema. Somos sujeitos políticos dissidentes; um exemplo vivo de ameaça ao patriarcado pelo simples fato de nos relacionarmos afetiva-sexualmente com outras mulheres, e de não sermos sempre disponíveis para os homens. A partir daí, nos tornamos revolucionárias permanentes.
Ato do Dia Internacional de Luta das Mulheres, São Paulo, 2013. Foto: Elaine Campos.
Ato do Dia Internacional de Luta das Mulheres, São Paulo, 2013. Foto: Elaine Campos.

Somos protagonistas de nossas vidas e criamos nossos próprios espaços coletivos, acolhedores e solidários; onde a lesbianidade não é considerada um sofrimento e ninguém sente pena ou compaixão por nós. Nossa militância política feminista nos fornece as ferramentas para entender as raízes da nossa opressão e nos permite construir, de forma coletiva e coerente, nossas resistências e alternativas na luta pela transformação social.
*Por Jessica Ipólito, militante da Furzarca Feminista e autora do blog Gorda&sapatão, Célia Alldridge e Camila Furchi, ambas militantes da Marcha Mundial das Mulheres de SP
 1A Thais Faria é militante da Marcha Mundial das Mulheres e, antes de formar-se em jornalismo, do grupo de diversidade sexual da Universidade Federal de Viçosa ‘Primavera nos Dentes’

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Advogada diz que o tráfico interno de mulheres para a Copa já ocorre em Fortaleza e apresenta documentário inédito, que discute o papel das mulheres no megaevento




O QUE AS MULHERES TÊM A VER COM A COPA?




A advogada Magnólia Said conhece a realidade cearense profundamente.  Técnica do Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria, uma ONG que trabalha nos municipios do semi-árido com atividades voltadas para a agricultura familiar – desde 1989 trabalha com grupos de mulheres do Estado. Por isso, foi uma das primeiras integrantes da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP), a questionar os impactos do megaevento sobre a vida das mulheres cearenses.
Fortaleza é uma das cidades-sede da Copa e, além de colecionar altos índices de violência doméstica e abuso sexual contra crianças e adolescentes (as denúncias subiram 23% entre 2011 e 2012), é um conhecido alvo de turismo sexual, combatido por programas governamentais que, segundo ela, não se prepararam para a tendência de aumento de casos durante a Copa do mundo.
Em fevereiro deste ano o Esplar lançou, em parceria com a Fundação Heinrich Böll, um folheto informativo para distribuição e um dvd inédito “Copa 2014 – “O que as mulheres têm a ver com isso?”, que a Pública disponibiliza aqui.
O folheto e o filme chamam a atenção para os efeitos negativos que a Copa pode trazer para a população, destacando o aumento do turismo sexual.“Uma pesquisa do jornal ‘O Povo’ de Fortaleza refere-se ao Brasil como um país à mercê do turismo predatório, destacando que algumas cidades sede, como Natal, Salvador e Fortaleza, têm recebido um grande número de homens solteiros e de maior idade que buscam as cidades para usufruir do que se transformou em um grande comércio do corpo e da vida das mulheres”, alerta o material produzido pela advogada.
Em entrevista,  Magnólia diz que o tráfico de mulheres já é algo real e planejado para a Copa e afirma que as mulheres têm sido vendidas no exterior como um atrativo turístico a mais – o que os governos federal, estadual e municipal se recusam a admitir. E que a tendência é de aumento da violência contra a mulher durante o megaevento  – inclusive assédio, estupro e violência doméstica.  Leia:
O que as mulheres têm a ver com a Copa afinal?
Tudo! Se falamos de remoções para a Copa, da mudança no espaço urbano ou de obras de desenvolvimento, as mulhere acabam sendo as mais impactadas. No caso das remoções, por exemplo, quem estabelece  um convívio social com a comunidade é a mulher.  Ela tem as amigas que se encontram nas casas, as vizinhas que revezam os cuidados com as crianças para uma e outra poder trabalhar,  vende paninhos, cosméticos ou vai fazer uma faxina aqui, lavar uma roupa ali, tudo no entorno de casa. Também é ela que gerencia a rotina do lar e fornece a estrutura para o homem trabalhar. Então quando as famílias são removidas, a mulher é mais penalizada.
Além disso, em todas as cidades sede a maioria das ambulantes é mulher. Novamente  elas serão mais impactadas pelas áreas de exclusão da Fifa. E em especial a mulher será a mais impactada  pelos vários tipos de violência. A exploração sexual é um dos tipos.
Como isso acontece?
A nossa imagem [do Ceará] é vendida lá fora como a de um lugar com belas praias e de um povo acolhedor. Um jornal daqui entrevistou um turista que disse que gostava do Ceará porque era mais fácil de lidar com as mulheres, elas eram mais receptivas. Em um estado como o nosso, que está atravessando uma das piores secas dos ultimos 50 anos, que é extremamente pobre e desigual, com a Copa, as mulheres vão pensar: vou sair da miséria e posso conseguir um dinheiro para manter minha familia, então vou para Fortaleza. Isso já está acontecendo em algumas cidades onde o Esplar trabalha. Nós estamos ouvindo isso de algumas mulheres. Para arrumar um emprego com a Copa ou arrumar um estrangeiro. Estou muito preocupada porque a gente já observou alguns tipos de exploração e de tráfico. O tráfico interno que acontece  dos municipios pequenos para os maiores municipios é muito forte.
De que forma?
As cafetinas, que têm casas que fazem os programas aqui em Fortaleza,  fazem o aliciamento dessas mulheres do interior. No jornal mesmo existem anúncios propagandeando a alta rotatividade  de mulheres, falando que você já tem sempre a mesma mulher em casa, então o melhor é variar.
Esse tipo de tráfico hoje é mais forte para os municípios praieiros, como Canoa Quebrada. É acintoso. Porque lá é o lugar dos gringos. E essas são mulheres mais jovens, muitas vezes menores de idade, todas muito pobres.
E esse tráfico interno pode crescer com a Copa?
Pode crescer muito, ainda mais pela situação que nós estamos vivendo de seca e falta de trabalho. As mulheres mais velhas, que precisam sustentar suas famílias, já estão vendo aí uma oportunidade. As mais jovens, querem “arrumar um estrangeiro” e sair da miséria.
É preciso entender o cenário : as políticas  do governo quando chegam, vêm com tanta politicagem que não chegam para quem mais precisa. Ou já tem prioridades mais definidas. Nós temos aqui pertinho de Fortaleza por exemplo, o Complexo Portuário do Pecém. Lá tem siderúrgicas, refinarias, duas termelétricas , então tem que ter água. A água do São Francisco, que aquele ex-presidente disse que serviria para matar a sede de 12 milhões de pessoas, naquela época a gente já alertava que não era para isso. Era para fruticultura, para prover Pecém e Fortaleza. São Gonçalo do Amarante é a cidade do Pecém. Tem 100 comunidades onde chegam somente três carros pipas e em algumas comunidades a água nem chega. A que chega é contaminada. Só agora o governo teve o descaramento de dizer que a água do São Francisco vem para Fortaleza e para Pecém.
Então esse é um cenário para que essas mulheres vejam  a Copa como uma oportunidade de mudança de vida e isso é propício para as cafetinas atuarem. Isso já pode ser sentido?
Com certeza. Já foram criados até cursos de idiomas para as mulheres atenderem melhor aos turistas! Imagina o que elas estão aprendendo. Uma amiga estava na França com outro amigo estrangeiro, ele iria ligar para o país dele e ela para o Brasil. Eles compraram cartões telefonicos. O dele era comum. No dela tinha uma mulher seminua.
E as leis protegem mais os turistas do que os cidadãos, não?
Sim, porque existe um complexo de inferioridade. Nós, o estado do Ceará, somos uma cidade de muro baixo. Qualquer pessoa que tenha poder e dinheiro sufoca a gente. Então um homem alto, loiro, bonito e branco, impõe muito mais poder a uma delegada de uma delegacia da mulher, do que uma cidadã que fala português e muitas vezes nem fala o português correto. Ele veio de fora está trazendo dinheiro para o Estado. Existe também esse incentivo fortíssimo no discurso oficial. Toda hora o responsável pela Copa daqui diz que a Copa vai trazer dinheiro para o nosso Estado, e que nosso Estado não pode parar de crescer. E que vai ficar conhecido internacionalmente. Então eu, delegada, vou intimidar um turista que vai trazer dinheiro e contribuir para o crescimento do meu Estado? Não vou. “Deixe por menos”.
E não existe uma estrategia  pensada e efetivada de proteção à mulher [nos megaeventos] não existe hoje nem por parte da prefeitura nem por parte do governo do estado. A Livia Xerez, que é coordenadora do Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, disse que chama os órgãos oficiais e eles simplesmente não acreditam que isso possa acontecer. Eu acho que eles fazem de conta que não sabem porque o empresário que vem de fora não pode ser lesado, a proteção maior é para eles.
De onde surgiu a ideia de fazer o video?
Eu já trabalho com mulheres do campo desde 1989 dando assessoria e formando grupos de mulheres através do Esplar. Quando a gente fez o comitê de Fortaleza,  começou a me incomodar [o fato] de que ninguém falava sobre a questão da exploração sexual ou mesmo dos impactos mais gerais da Copa na vida das mulheres. Falava-se de remoções, mobilidade, mas não se fazia esse recorte nem o recorte racial. Aí a Fundação Boll me procurou um dia, disse que vinha notando minha fala e queria saber se eu queria produzir um material.Fiz o informativo e pensei que a gente comunicaria mais se pudesse conversar com as pessoas sobre isso. No Nordeste, onde atuamos, a coisa é mais complexa. Queremos que isso seja um primeiro passo para uma campanha, pegar alguns jogadores que tenham perfil ético dizendo que eles vêm para a Copa mas são contra a exploração de mulheres.
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