sexta-feira, 3 de maio de 2013

A resistência da nudez ou a nudez da resistência




Vanessa Gil*

O corpo é, sempre foi e sempre será um espaço de luta e de resistência. Não é por outro motivo que tanto esforço é despendido na tentativa de cdomesticá-lo. Não é por outra razão que as instituições religiosas o utilizam para dominar a mente dos fiéis. É lá que o demônio se instala. 

Diante dessa realidade, é natural que ele, o corpo, seja usado para denunciar a opressão da qual é vítima. É por isso que em 68 tantas mulheres queimaram os sutiã, pois era o símbolo de uma opressão que habitava exatamente uma parte do corpo, os seios. Desnudar-se também pode ser uma forma de luta quando nosso corpo é reprimido. 

Mas as estratégias de luta e resistência, assim como as opressões, são históricas, sociais e políticas. Fazem sentido dentro de um contexto. Aquilo que é estratégia de resistência num determinado local, pode em outro servir aos propósitos do opressor. Pode ser uma ofensa aos nossos opressores, mas também pode ser uma forma de servir ao sistema e de ofender aquelas/es que lutam ao nosso lado. 

Portanto, não podemos exigir que muçulmanas saiam nuas pelas ruas para protestar contra os abusos do líderes religiosos sem sermos tão opressoras quanto eles. Não é nosso papel no ocidente dizer o que as muçulmanas, ou qualquer outro grupo de mulheres, deve ou não fazer para derrotar o patriarcado. Pode-se ser livre vestida, como ser oprimida nua.

Onde quero chegar com tudo isso: quero que olhemos para nossa própria cultura, para as formas que o patriarcado assume nela para que possamos identificar o que, dentro da nossa realidade, é resistência, o que é uma estratégia coerente com as nossas opressões. Dessa forma, precisamos refletir sobre nossas estratégias locais. No Brasil, a nudez feminina é a regra, os padrões de beleza são inatingíveis, os distúrbios alimentares possuem índices altíssimos. Basta ligar a televisão em qualquer canal nacional que podemos ver qualquer parte do corpo das mulheres expostos como se fossem pedaços de carne no açougue. Faz sentido ficar nua para protestar num país assim? Que tipo de reflexão traz à população enxergar mais um peito na televisão?

Além disso, qual o sentido de buscar nas experiências europeias o modelo a ser seguido? O que tem acontecido na América Latina? Como as venezuelanas têm se organizado? Quais as estratégias adotadas pelas colombianas que convivem com o narcotráfico? Como as argentinas estão enfrentando o patriarcado? Como nós e essas mulheres que vivemos em democracias tão jovens, que sabemos as dificuldades impostas pelas ditaduras militares, podemos, juntas, construir estratégias e fortalecer resistências? 

Dessa forma, creio que seja necessário um duplo esforço. Primeiro: respeitar as estratégias locais, compreendê-las dentro do momento histórico no qual ocorrem. Segundo: buscar fortalecer nossas lutas dentro na nossa realidade, identificando onde estão nossos inimigos, e sabendo com quem podemos contar na trincheira. E talvez um terceiro ponto, mas extremamente unido aos dois, que é refletir melhor sobre o significado que alguns termos assumem na nossa realidade. 
 * Socióloga, Militante da Marcha Mundial das Mulheres

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