quinta-feira, 13 de março de 2014

CARTA DAS MULHERES AOS OPERADORES DO DIREITO


1.       O tratamento dado à mulher, do ponto de vista do direito posto, sempre esteve aquém das necessidades delas e em descompasso com as mudanças vividas na sociedade.
2.       No entanto, a mobilização das mulheres, nos diferentes períodos históricos, foi capaz de promover as mais significativas mudanças, de modo a garantir direitos a todas elas, seja no marco formal, incorporando ao direito positivo normas especificas; seja no aspecto substancial, viabilizando uma efetiva aplicação do direito a elas assegurados em Lei.
3.       Assim, acreditamos que essa tarefa de entregar às mulheres o direito de que são titulares é de um conjunto de atores sociais, que excedem a esfera de mobilização delas, alcançando especialmente os operadores do direito: Juízes (as), Advogados (as), Promotores (as), Acadêmicos (as), etc.
4.       Nesse sentido, e por ocasião das reflexões e ações inerentes ao mês de março, dois temas são trazidos à atenção, em vista da sua alta repercussão na vida das mulheres. São eles: a aplicação efetiva da Lei Maria da Penha e a criminalização dos movimentos das mulheres, em especial das jovens mulheres que se mobilizam em diferentes movimentos sociais.

DA EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA

5.       A Lei Maria da Penha, de 2006, teve o condão de incorporar ao ordenamento jurídico brasileiro, essa forma de violência específica, que acompanha a trajetória das mulheres, bem como de trazer a esfera do interesse público uma realidade até então tratada exclusivamente na seara privada.
6.       Deste modo, a Lei Maria da Penha e suas medidas protetivas alteraram o tratamento dado ao tema da violência doméstica e familiar, permitindo que as vítimas dessa violência alcançassem, de fato, a proteção que lhes é devida, quanto à sua integridade física, psicológica e material.
7.       A efetividade da Lei exige a composição de uma rede de proteção que seja capaz de romper com os ciclos de violência, que se reproduzem e se perpetuam por conta da naturalização das desigualdades entre homens e mulheres, fruto da patriarcalização das relações havidas nas nossas sociedades.
8.       Tocante à aplicação da Lei, esta exige dos(as) operadores(as) do Direito a sensibilidade e o compromisso com a garantia de realização das medidas protetivas, instrumento determinante na intervenção estatal nas manifestações de violência contra a mulher; a aplicação da Lei, em favor daquelas que são suas destinatárias, especialmente na uniformização da sua aplicação e a celeridade no andamento das ações ajuizadas ao albergo da Lei Maria da Penha, na medida em que a duração razoável do processo é também um direito fundamental.
9.       Ainda, na perspectiva de efetivação da Lei, acreditamos ser imprescindível a ampliação e interiorização das Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar; a consolidação do preparo dos profissionais que atuam no tema, nas diferentes áreas do direito, as quais guardam interface na aplicação da referida legislação, garantindo assim um atendimento eficaz e à altura da complexidade do problema que se busca enfrentar.

DA CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E DAS MULHERES QUE LUTAM
10.   A criminalização dos movimentos sociais se amplia em diversas partes do mundo, construindo diferentes cenários marcados por violações sistemáticas de direitos humanos. No Brasil, a inobservância dos princípios basilares do direito nacional e internacional coloca em risco as nossas liberdades democráticas e ameaça a sociedade de perigosos retrocessos rumo à intolerâncias, à arbitrariedade à violência e ao autoritarismo.
11.   As mulheres suportam os efeitos da criminalização dos movimentos sociais de forma especialmente cruel. De um lado, no âmbito das mais amplas ações de criminalização, elas têm que enfrentar o legado de uma cultura anterior que objetiva, por princípio, a completa exclusão da mulher do espaço público; de outro, no que diz respeito às ações repressoras, são submetidas a humilhações que, não raro, assumem as formas de violência sexual (revistas abusivas, nudez, tratamento depreciativo etc.)
12.   Nesse sentido, acreditamos que os(as) operadores(as) do Direito são parceiros(as) indispensáveis para garantir a não criminalização dos movimentos, impedindo que tal prática se consolide como mecanismo oficial de inviabilização do livre exercício da cidadania e como óbice à garantia dos Direitos Fundamentais consagrados pela nossa Constituição Federal e pelos diversos pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, legislações estas conquistadas através de muitas lutas sociais.
13.   Do mesmo modo, aos operadores(as) do Direito recai a necessidade de assumir o compromisso ativo de realizar e fazer avançar o debate sobre a desmilitarização das polícias, bem de enfrentar as perigosas propostas de legislações que pretendem tipificar as manifestações democráticas  no marco do terrorismo e da intolerância.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
14.    Em vista das questões ora expostas, ratificamos nosso entendimento de que as mudanças que pretendemos promover serão resultado da mobilização protagonizada pelas mulheres organizadas nas diferentes frentes e movimentos, em conjunto com os demais atores sociais, comprometidos com a transformação das relações hierarquizadas e desiguais havidas entre homens e mulheres.
15.   Acreditamos que os operadores (as) do Direito são parte fundamental nesse processo, haja vista sua intervenção na interpretação, formulação e aplicação das normas positivas, nas diferentes temáticas que afetam as mulheres, com potencial força propulsora na luta pela transformação da nossa cultura social.
16.   Nesse sentido, a presente missiva se presta a trazer temas sobre os quais desejamos sensibilizar e agregar, cotidianamente, os(as) operadores(as) do Direito, de modo a comprometê-los(as) com as mudanças que ainda estão por fazer, especialmente no tocante à realização do direito formal como uma experiência concreta de reconhecimento dos direitos das mulheres.
Jornada de Lutas das mulheres do campo e da cidade
Porto Alegre, 12 de março de 2014

Via Campesina Brasil - Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Desempregados (MTD) - Levante Popular da Juventude - Marcha Mundial das Mulheres (MMM) – Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) - Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) - Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).




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