terça-feira, 15 de abril de 2014


O Androcentrismo e o IPEA

*Vanessa Gil

Recentemente uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre a percepção da sociedade brasileira acerca da violência contra a mulher causou, primeiramente, espanto ao apresentar altos índices de tolerância a diversos tipos de violações. Nela 65% da população brasileira considerava que a mulher tinha parte da responsabilidade sobre o estupro sofrido, dependendo do seu comportamento ou vestimenta. Os dados apresentados causaram revolta e mobilizaram as redes sociais. Alguns dias depois, com o olhar atento às perguntas e aos dados, diversos pesquisadores/as passaram a questionar a metodologia e a formulação das perguntas. Foi então que o IPEA teve de se retratar e admitir que 26% dos brasileiros, e não 65%, concordam, total ou parcialmente, com a afirmação de que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Porém, o então diretor, afirmou que o erro foi uma fatalidade e que não muda a realidade, o fato de que há permissividade e tolerância na violação dos corpos das mulheres.

Às vezes, o óbvio precisa ser dito e o redundante expressado novamente. Isso serve tanto para a realização de pesquisas que venham demonstrar cientificamente o que observamos na realidade, no caso a naturalização da violência contra mulheres, mas também para lembrar que a ciência não é neutra.

Qualquer estudante de Ciências Sociais aprende na primeira disciplina de metodologia que as perguntas influenciam as respostas. É dever do/a pesquisador/a estar atento ao que se pergunta para que a resposta reflita o que se quer saber. Porém, a ciência é historicamente um campo masculino, androcêntrico, que reconhece as experiências dos homens como válidas. Por isso, torna-se urgente refletir sobre a forma como a mesma está sendo construída e a que(m) está servindo.

A SOF (Sempreviva Organização Feminista) publicou recentemente um livro, da pesquisadora Cristina Carrasco, intitulado Estatísticas sobre Suspeita (download do livro aqui). Nele, Carrasco discute que, para termos indicadores que deem conta da realidade, é necessário ter presente que a sociedade é patriarcal e historicamente desvaloriza tudo o que é feminino. Dessa forma, por exemplo, as pesquisas econômicas tendem a desconsiderar o trabalho doméstico como importante para o funcionamento da economia, centram-se fundamentalmente na produção e circulação de mercadorias, bens e serviços. Desconsideram que uma gama de trabalhos domésticos e de cuidados precisou ser despendida para que a força de trabalho estivesse disponível ao mercado. Caso essas reflexões não sejam feitas, a pesquisa traduzirá dados a partir da perspectiva masculina, distorcendo a realidade e dando caráter científico e natural às desigualdades construídas pela sociedade capitalista patriarcal.

Carrasco alerta justamente para o que ocorreu na pesquisa do IPEA. A metodologia utilizada era a afirmação de frases de ditados populares (sexistas e machistas) e entre as opções de resposta estavam "discordar parcialmente" ou "concordar parcialmente" para as afirmações Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar. A outra polêmica frase era Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas. Não sou especialista em metodologia de pesquisa, mas em qualquer aula de cursinho se aprende que ditos populares não são perguntas científicas. Nesse caso, em relação às respostas, mesmo compreendendo que o objetivo do "parcialmente" era de não cair nos extremos, não entendi, até agora, qual exatamente a diferença entre eles, ou como a diferença entre uma ou outra resposta pode nos ajudar a compreender a culpabilização da vítima. Além disso, as afirmações caem justamente naquilo que Carrasco nos alertava: usar o masculino como referência. A mesma pessoa que respondeu concordar com a Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar poderia ter respondido de forma diferente a frase um homem tem direito de continuar agredindo sua companheira até que ela saia definitivamente de casa. Certamente as respostas seriam muito diferentes, ainda que as frases possam ter o mesmo significado.

A pesquisa teve validade justamente para demostrar que a ciência não é neutra, que nenhum conhecimento é produzido a partir da imparcialidade, tampouco os resultados que obtém. Tem-se que reconhecer o mérito de realizar uma pesquisa que se esforçou para compreender o machismo na sociedade brasileira. Cabe ressaltar que o IPEA foi criado nos primeiros anos da ditadura militar e historicamente incorpora a visão de pesquisa econômica androcêntrica. Muitos são aqueles que não gostaram de ver o IPEA considerando que a violência contra mulheres é um indicador importante, inclusive para a economia. Por isso, é necessário que façamos pressão para que a pesquisa seja refeita e que muitas outras pesquisas sobre a realidade das mulheres venham para auxiliar com dados seguros. Mas a metodologia precisa incorporar as críticas à ciência centrada no masculino.

Agora, nossa tarefa deve ser a de denúncia desses desvios machistas nos conhecimentos produzidos e reconhecidos socialmente como válidos. Devemos questionar o que ensinam as universidades aos seus pesquisadores/as, como lhes orientam a investigar a realidade.

Para que(m) serve o teu conhecimento?


(Muro na UFSM - grafite do Levante Popular da Juventude)


*Vanessa Gil é cientista social, mestranda em educação no TRAMSE/UFRGS e militante da Marcha Mundial das Mulheres no RS.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Encontro Estadual da Marcha Mundial das Mulheres/RS - 2014

11, 12 e 13 de abril de 2014 
Parque de Exposições Assis Brasil - Esteio/RS 
(Parque da Expointer)


As mulheres do mundo inteiro resistem à ofensiva do capitalismo que apresenta “falsas soluções” baseadas na expansão do mercado como mais exploração dos recursos naturais, novas tecnologias de controle do nosso corpo, da natureza e do conhecimento.

Nós da Marcha Mundial das Mulheres reafirmamos, com nossa presença nas ruas,  com um feminismo popular que está e continuará em luta denunciando a opressão vivida por nós nesse sistema que combina o patriarcado com o capitalismo, a desigualdade, o racismo, a lesbofobia e a destruição da natureza.

Denunciamos as grandes obras e mega eventos, como a Copa do Mundo e a Fórmula 1, como espaços que naturalizam a prostituição, facilitam o tráfico de mulheres e meninas e como uma forma de aprofundar a pobreza e desorganizar a vida da população pobre, via remoções de favelas e terrenos ocupados.

Nós mulheres precisamos nos auto-organizar, através do nosso fortalecimento enquanto sujeitos políticos e em aliança com demais movimentos sociais.
E por isso, que te convidamos a participar do Encontro Estadual da MMM-RS.

Dias: 11, 12 e 13 de abril de 2014 (sexta á noite, sábado e domingo)
Local: Parque de Exposições Assis Brasil - Esteio/RS (Parque da Expointer)

Para se inscrever acesse a ficha virtual:

Valor da inscrição: R$ 20,00 por mulher (ganha uma bandeira da MMM e colabore com a organização do encontro). 

Ficha de inscrição: http://goo.gl/vBa0xH

Pagamento: Depositar na conta de Deise Terezinha Menezes - Banco Santander (033) - agencia 1211 - poupança 60005977-3
Favor inscrever-se e pagar até o dia 7/04!!!

Como chegar: pegar o TRENSURB em Porto Alegre (sentido Novo Hamburgo)
descer na Estação Esteio (sair pela rampa da esquerda, sentido Novo Hamburgo - vemos a entrada do parque da rampa da estação - vamos ficar nos alojamentos mais para o fundo, depois dos pavilhões da exposição)

Programação:
11/4/2014 (sexta)
Pós18h - Acolhida e Roda de Conversa Feminista
12/4/2014 (sábado)
8h - café da manhã e Acolhimento
9h - O feminismo Internacionalista da MMM
13h - almoço
14h30 - Oficina: 2014 - Copa do Mundo e exploração do corpo e da vida das mulheres
16h30m - Debate: Plebiscito Popular? Mudar o sistema politico? o que tenho com isso?
19h30m - jantar
20h30m - Festa Feminista – Feira de Trocas e da Autonomia Econômica das Mulheres
Oficina de stencil / lambs e batuque (aberto a propostas)
13/4/2014 (domingo)
9h30m – Construindo a MMM no RS: Plenária Estadual
13h - almoço
14h - Plenária
16h - Encerramento

Problemas com o formulário? Fale diretamente com <mariabitt@gmail.com>
Para demais questões, escreva para a MMM-RS <marchamundialrs@gmail.com>
Mantenha-se informada pelo blog da MMM-RS http://mmm-rs.blogspot.com.br/
-- 
Mudar o Mundo para Mudar a Vida das Mulheres
Email da Executiva RS: marchamundialrs@gmail.com
Twitter: @MMMRS

Cesariana forçada – uma violação aos direitos reprodutivos das mulheres


O movimento de mulheres do Rio Grande do Sul, por meio de suas entidades, foi tomado de estarrecimento diante da denúncia sobre a realização de uma cesárea forçada no município de Torres esta semana, fato, que circulou pelas redes sociais, e posteriormente foi publicado em jornal de circulação nacional.

Segundo se sabe, a gestante ACLG, de 29 anos, após avaliação do seu estado gestacional na unidade hospitalar do município, decidiu aguardar em casa o momento de realizar seu parto. No entanto, inconformada com a decisão, e alegando que o feto estava em posição sentada, uma médica denunciou o caso ao Ministério Público e este solicitou liminar à justiça para realizar procedimento necessário, que foi obtida. Levada por policiais militares ao Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, a gestante foi submetida à cirurgia para retirada do bebê, uma menina, sem o seu consentimento. Desta forma, os agentes envolvidos, contrariando todos os preceitos de humanização dos serviços de saúde, bem como os princípios do direito, entre os quais destacamos a razoabilidade, a preservação da dignidade humana e a intimidade, impingiram aquela mulher medida excessiva que afeta seus direitos fundamentais, sem qualquer amparo técnico assistencial ou mesmo jurídico.

Em função da gravidade desses fatos, solicitamos à Prefeitura Municipal de Torres, onde a usuária do SUS foi atendida e às autoridades sanitárias, a tomada de providência para sua completa elucidação, pois é flagrante o desrespeito ao direito da mulher de optar pela via de parto para dar à luz. Para nós, uma violação aos direitos reprodutivos, que consistem na possibilidade das pessoas poderem escolher, mediante a informação, como, quando, onde e em que condições ter ou não ter filhos. Estes direitos são amplamente reconhecidos pelas Nações Unidas e firmados pelo Governo Brasileiro em documentos nacionais. Por outro lado, o argumento utilizado pela justiça para a liminar se ancora no direito de primazia do nascituro, esse sim não reconhecido pela legislação brasileira.

Sabemos que no Brasil 55% dos partos realizam-se através de cesarianas, contrariando estatísticas internacionais e  a Organização Mundial da Saúde, que recomenda que esse percentual não passe de 15%.  Na rede privada estes números chegam a 84% dos partos (2013), segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Isso se deve, segundo importantes estudos à “cultura da realização das cirurgias cesarianas”, a grande maioria desnecessária, não raro induzida pelos próprios médicos, e às oportunidades de realizar outros procedimentos cirúrgicos na mesma ocasião.

A pesquisa “Cesarianas desnecessárias: Causas, consequências e estratégias para sua redução[1]” realizada com usuárias do SUS e de planos privados de saúde detectou, entretanto, que 70% das mulheres preferem o parto normal. Porém, baseadas no medo da dor do parto, da realização conjunta de laqueadura e o desconhecimento de métodos para aliviar a dor e facilitar o parto, acabam aceitando propostas de abreviar a gestação, alimentando o entendimento de gestação e parto como questões de doença e não de não como evento de saúde da vida das mulheres.

As consequências das cesarianas desnecessárias são as infecções decorrentes dos procedimentos inadequados, cicatrizes no útero e no corpo, maior tempo para recuperação, perda de autonomia e de participação no momento do nascimento do bebê e influem grandemente nas causas de mortalidade materna no Brasil. Este um grave problema de saúde pública que o país não tem conseguido vencer e vem sendo cobrado em ações como o Caso Alyne no Comitê Cedaw/ONU.

Vivemos tempos de avanço do conservadorismo, do controle da  vida das mulheres. Nossa sexualidade tem sido cada vez mais mercantilizada. Nosso corpo facilmente transformado  mercadoria para fomentar a sociedade capitalista patriarcal . A indústria da cesariana é uma exemplo significativo desse processo. Exigimos que o Estado adote condutas de responsabilização desta violação de direitos promovidas pelos seus agentes. Exigimos que a autonomia e a dignidade das mulheres, na qualidade de direitos fundamentais, conquistados a duras penas, esteja acima dos interesses e entendimentos individuais, que busquem de qualquer forma, submeter e apropriar-se das escolhas, dos corpos e das vidas das mulheres.

Reafirmamos: os direitos das mulheres são direitos humanos. A saúde reprodutiva é parte essencial dos direitos reprodutivos, devendo ser vivida na plenitude. Uma cesária forçada é uma violência obstétrica, contrariando todos os preceitos do parto humanizado. A violência contra as mulheres é uma violação aos direitos humanos.

Porto Alegre, 3 de abril de 2014

Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – Regional RS
Marcha Mundial de Mulheres - RS
Campanha Ponto Final na Violência Contra Mulheres e Meninas